

O México descobriu na madrugada desta sexta-feira que o horror
desconhece o cálculo. Em um cenário de além-túmulo, escondidos em um
crematório abandonado de Acapulco (750.000 habitantes), foram
encontrados 61 cadáveres, entre eles restos de menores de idade. Com o
terrível sangue-frio com que tais fatos são tratados no México, as
autoridades tentaram reduzir o alarmismo na população assinalando que os
corpos não haviam sido mutilados nem calcinados, ou seja,
que aparentemente não têm o aspecto habitual do narcoterror. Apesar
dessas precisões, as causas das mortes não foram esclarecidas, algo que
em Acapulco, a cidade mais violenta do México, levanta todo tipo de
suspeitas.
A antiga joia do Pacífico, que na lembrança de muitos estrangeiros ainda
suscita visões hollywoodianas de paetês e platina, é um lugar aviltado
pelo crime, com a terceira maior taxa de homicídio do mundo, depois de
Caracas e São Pedro Sula (Honduras), e onde os grupos de
narcotraficantes travam uma guerra brutal pelo controle do território.
Em suas ruas, a segurança é escassa e as matanças, habituais. Mais de
2.000 policiais municipais, perto de 80%, fazem uma greve selvagem há
meses, depois de terem se negado, de maneira muito suspeita, a se
submeter às provas de idoneidade e aos controles antidroga. A ausência
deles foi suprida com uma combinação de forças da Polícia Federal, do
Exército e da Marinha, mas o caos é tal que até a semana passada mais de
uma centena de colégios não tinham aberto suas portas por medo de
assaltos.
Nesse ambiente hostil, o achado dos cadáveres se inscreve como um
capítulo a mais na história da degradação da cidade portuária. Os corpos
passaram muito tempo abandonados. Alguns estavam mumificados, outros em
decomposição. Muitos tinham sido embrulhados em lençóis brancos. Alguém
tomou a precaução de cobrir os restos com cal viva. O mau cheiro,
entretanto, foi mais forte e chamou a atenção dos vizinhos. O
crematório, uma construção de apenas um andar, com 70 metros quadrados,
tinha deixado de funcionar em 2009.
Um dos motivos mais suspeitos é que os cadáveres são de épocas muito
diversas, incluindo corpos relativamente recentes. Esse fato avaliza a
hipótese de que o lugar foi utilizado para deixar executados pelas
máfias de narcotraficantes. Também se considera a possibilidade de que o
crematório tenha sido usado como depósito clandestino de alguma
funerária. “A estas alturas, não podemos garantir nem descartar que
tenha havido intervenção do crime organizado”, disse um porta-voz
oficial.
A descoberta de cadáveres é habitual em de Guerrero. Só em 2014 foram
achadas mais de 189 ossadas no Estado sulino, 149 delas em Iguala, a
apenas 200 quilômetros de Acapulco. Em grande parte dos casos, a
identificação é impossíveis devido à prática usual dos narcotraficantes
de queimar os corpos até transformá-los em cinza. A lentidão dos
legistas é outra causa da incapacidade para dar nome a esses mortos. Um
exemplo disso foi proporcionado pelo caso Iguala. Nas primeiras semanas
de busca, foi encontrada uma fossa com 38 corpos que, no princípio,
foram atribuídos aos estudantes desaparecidos. Mas a hipótese foi logo
descartada; entretanto, esses corpos continuam sem ter sido
identificados plenamente até hoje.
Essas carências engrossam a cifra dos desaparecidos, esse reino
espectral ao qual pertencem 23.000 pessoas no México e que constitui uma
das mais terríveis consequências da guerra contra o narcotráfico.
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