

Um litoral povoado e um interior vazio. Esta foi, durante muito tempo, uma concepção de demografia histórica que fez sucesso no país.
A arqueologia, entretanto, mostra o contrário: por conta das
transformações naturais e das geradas pelo homem, diversas regiões
possuem características diferentes das que apresentavam séculos antes.
“Muitos locais que hoje são cobertos por florestas, como é o caso da
Amazônia, eram habitados por diversas populações, até mais que no
litoral”, ressalta o professor de arqueologia Eduardo Góes Neves, da
Universidade de São Paulo. Segundo ele, a região possui uma grande
diversidade de sítios arqueológicos no que se refere a aterros feitos
pelo homem, como também vestígios em cerâmica. “Acho que existe uma
correlação entre a diversidade natural na Amazônia e a variabilidade dos
povos antigos da região”. Um exemplo disso é o poço funerário
localizado próximo à cidade de Macapá (AP) por pesquisadores do
Instituto de Pesquisas do Amapá (Iepa).
O poço encontrado tem uma forma inédita: são várias câmaras mortuárias
para sepultamentos simultâneos ao invés de uma câmara separada. Os
restos mortais eram sepultados em urnas feitas de cerâmica pertencentes à
etnia Palikur, e colocadas nas câmaras. O local
teria sido construído por povos indígenas que habitaram a região entre
1.000 e 1.300 da nossa era. “Esse poço está muito distante da área onde
geralmente se conhecia sua ocorrência. É a primeira vez que encontramos
diversas câmaras laterais onde foram encontradas as urnas”, explica João
Darcy de Moura Saldanha, arqueólogo do Iepa e coordenador da pesquisa. A
descoberta foi feita em um sítio arqueológico de quatro hectares, em
2010, a cerca de dois quilômetros da comunidade quilombola do Curiaú, na
zona norte de Macapá.
Para abrir o poço funerário, foram utilizadas máquinas escavadeiras que,
controladas pelos arqueólogos, decapam o solo gradualmente até a
localização de estruturas. “Com isto temos áreas enormes que são abertas
e o número de achados cresce de forma exponencial, aumentando a chance
de descobertas inéditas como esta”, ressalta o arqueólogo João Saldanha.
E esse é só o início das pesquisas na área. “Calculamos, pela dispersão
dos materiais arqueológicos, que o poço deve medir 8 mil metros
quadrados e só escavamos pouco mais de mil”, acrescenta ele.
Os vestígios encontrados – materiais cerâmicos e ossos humanos – até
agora estão em processo de análise no laboratório de Arqueologia do
Iepa, em Macapá. “Queremos, em parceria com a comunidade do Quilombo do
Curiaú, montar uma pequena exposição com os materiais mais
representativos, uma forma de dar um retorno com informações da história
do território de ocupação no próprio território”, ressalta o
arqueólogo. Essa proximidade do sítio arqueológico indígena
pré-cabralino como quilombo construído na região no século XIX também é
um destaque
para a pesquisa, uma vez que “a presença de comunidades quilombolas na
região Amazônica ainda é um tema pouco estudado”, observa Eduardo Góes
Neves. Uma proximidade entre tradições materiais que, literalmente, é
uma das bases do Brasil.
Fonte: Filosofia Imortal
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